Acaba de ir ao ar no Brasil, o último episódio da série Mad Men. Após sete temporadas de conflitos sutis, personagens profundos e uma narrativa repleta de mudanças políticas e sociais da cultura americana, a trama chegou ao fim com a tão antecipada morte de Don Draper. Por morte não falamos da morte física, mas sim da persona assumida por Dick Whitman. E não da forma tão especulada pelas teorias que rondaram a internet nos últimos meses. Não houve a transformação de Don em um personagem até hoje misterioso da cultura americana, como o que muitos disseram ao teorizarem sobre a possibilidade de Don ser D.B. Cooper. Mesmo a queda das janelas, presente na abertura da série e possível final questionado pelos fãs, também não se mostrou verdadeira da forma que muitos esperaram.
Já falamos, sobre a diferença entre os finais que os fãs querem e os finais que os personagens necessitam ( ou merecem) em nosso texto sobre o fim de Two and a Half Men e Parks and Recreation. É sempre importante termos isso em mente. O final sonhado pelo público, nem sempre é o final ideal para uma história tecida ao longo de anos por um grupo de criadores. É necessário antes de tudo, muita coragem para criar e levar ao ar o final necessário, mesmo que não seja o que o público quer. E Matthew Weiner, criador saído do writer's room de outra série dramática ousada, Família Soprano, já nos mostrava ao longo de todas as temporadas que tinha a coragem necessária para fazê-lo.
Mad Men sempre citada por sua bela reprodução de época e ar cinematográfico, não atraiu seu público por isso. O público sempre se relacionou com os personagens e seus dilemas. A série nunca se importou em terminar uma temporada com um gancho, preferindo a dramaticidade das inadequações e idiossincrasias de Don Draper. Portanto, sua conclusão não poderia ser diferente.
A jornada de Don Draper foi uma busca de auto-conhecimento. Um homem que deixou seu passado para trás e tentou recomeçar inúmeras vezes. Nas palavras do próprio Don Draper no episódio piloto:
“Publicidade se baseia em uma coisa. Felicidade. E o que felicidade? É o cheiro de um carro novo, é ficar livre do medo. é um outdoor na estrada que reafirma que não interessa o que você estiver fazendo, está tudo bem. Você está bem”
Mas Don não está bem, provavelmente nunca esteve. Ao final da sétima temporada, Don deixa tudo para trás, vende seu apartamento, dá seu carro e vaga pela Califórnia, a terra prometida americana, em busca de uma felicidade que não encontrou no conceito que ele mesmo ajudava a vender.
A doença de Betty neste sentido também é muito claro. Se no piloto, Don procura uma forma de aumentar as vendas da Lucky Strike, depois de confirmado o risco a saúde causado pelo tabaco, o câncer de pulmão de Betty fecha o círculo deste universo que vende sonhos e conceitos irreais através de produtos.
O conceito e título da ultima parte da sétima temporada, O Fim de Uma Era, ilustra mais do que o fim da jornada de Don. Retrata todas as mudanças ocorridas na década de 60 e 70, que mudaram o mundo. Os últimos episódios deixam bem claro essa mudança na ordem social. Uma geração de homens que cresceu acreditando serem os donos do mundo, se vê, pela primeira vez, em uma sociedade com mulheres independentes, direitos civis para todos e os jovens baby boomers questinando todas as regras pré-estabelecidas. Em tempos de mudanças e avanços diarios, estes homens, aqui representados por Don, se vêem pela primeira vez sem as rédeas do controle e precisam se adequar e descobrir seu novo papel em uma sociedade em mudança. Quase ao final do episódio derradeiro, após ser abandonado no retiro por Stephanie, Don pergunta a recepcionista “ As pessoas chegam e vão, ninguém se despede?”. A resposta que recebe é simbólica de toda sua jornada “As pessoas são livres para irem e virem como quiserem”. Don raramente demonstrava seus sentimentos, mas sempre deixou claro que não conseguia se despedir. Se sentia abandonado, não conseguindo entender que as pessoas simplesmente partem com sua vontade ou não. Isso é representado através das visões daqueles que morreram, como Cooper ou Rachel, ou na busca por Diana já na reta final da série.
Sua conclusão como Don Draper é ligar ( Person to Person, não por acaso nome do episódio) para Betty e se despedir de Peggy, sua pupila. Peggy lhe pergunta onde está e diz que todos estão furiosos com seu sumiço. Don responde perguntando “ Tudo desmoronou sem mim?” Peggy desconversa dizendo que todos estão preocupados. Aqui , podemos entender sobre um novo ponto de vista a abertura da série (a questão não era a morte deste homem, e sim o mundo que continua em pé enquanto ele cai). Peggy pergunta se ele não quer voltar e trabalhar na campanha da Coca-Cola e Don responde que não pode. Don então lista seus "pecados" para Peggy e se despede ( apesar de dizer adeus, ele termina a ligação com um Até breve). A morte de Don tão esperada pelos fãs, ocorreu da forma mais sutil possível. Este é o ponto sem volta do personagem, a morte metafórica de Don. Quando a terapeuta o encontra, ele se diz imóvel, mas a acompanha até a sessão. Lá Leonard, um personagem que aparece pela primeira vez em toda a série, participa da sessão compartilhando suas angustias.
“ Eu não sei. É como se ninguém se importasse que eu parti. Eles deveriam me amar. Quer dizer, talvez eles amem, mas eu nem sei o que é isso. Você passa sua vida inteira pensando que você não está recebendo, que as pessoas não estão dando ( seu amor) para vocês. Daí, você percebe que elas estão tentando e você nem sabe o que é.”
Então Leonard conta um sonho em que estava dentro de uma geladeira e as pessoas pegavam coisas lá e não o viam. A porta se fechava. Don que estava em estado catatônico, começa a demonstrar empatia. Ao final, se levanta, abraça Leonard e desmorona. Eles choram juntos.
Talvez, o que Don no piloto disse a Rachel sobre o amor não fosse uma verdade. Talvez o amor, não seja uma mera invenção de publicitários para vender meia- calças. O problema é que o amor não é material, ele é subjetivo e pessoal, e justamente por isso, pode passar facilmente despercebido. Don se identifica com Leonard, pois compartilham a mesma angústia, a mesma procura. E assim, Don renasce. Não sabemos se como Dick Whitman ou novamente como Don Draper, mas aquele choro, o primeiro do personagem em sete temporadas, é um renascimento.
Ao final, Don está sentado em uma posição de meditação, com um mestre entoando um mantra: “O novo dia trás nova esperança. As vidas que levamos e as vidas que ainda vamos levar. Um novo dia, novas ideias, um novo você”. Don sorri, renascido.
Para deixar o final mais ambíguo e aberto, a música entra sobre a imagem seguida pela campanha clássica da Coca-Cola,I’d Like to Buy the World a Coke, popularmente conhecida como Hilltop.
Seria uma metáfora a harmonia de Don? Teria Don retornado ao mundo da publicidade e criado a campanha? Seria a indicação de que o mundo da publicidade, com ou sem Don Draper, continua se apropriando da contracultura como uma forma de vender seus produtos? Seria uma ironia com o espectador que esperava um final feliz, como vendido pelo cinema e pela publicidade? Pistas para a veracidade de cada uma das possibilidades foram plantadas ao longo de toda a série. A beleza dos finais abertos reside justamente no quanto eles revelam nossa própria visão de mundo.
O fim de uma era
Sem querer, mas muito apropriadamente, Mad Men encerra a chamada “terceira era de ouro” da TV americana. Tida como sendo iniciada em 1999, uma nova geração de séries foram ao ar com um frescor narrativo e um cuidado estético até então só vistos no cinema. As novas tecnologias caminharam ao lado dessa ascensão televisiva permitindo que o espectador não fosse mais refém da programação e podendo escolher a melhor forma de ver suas séries favoritas, seja em DVD ou através da popularização do TIVO (pouco popular no Brasil, o gravador digital permitia gravar a programação para que fosse assistida de acordo com o interesse do espectador sem os comerciais). Devemos considerar que este advento foi fundamental para a popularização de séries com uma narrativa contínua com arcos maiores e mais complexos. Hoje, a TV tem índices cada vez menores de audiência e como Don Draper, luta para se adequar as novas realidades da sociedade, perdendo cada vez mais sua dominância para o formato streaming e de Video on Demand. A nova geração de séries de sucesso já nasceram em um ambiente multiplataforma e já trazem em sua narrativa estas características exploradas ao longo de suas predecessoras que ainda estavam no processo de transição. Uma era se encerra e com certeza a TV da forma que conhecemos deverá se reinventar para a nova era que se inicia.