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Jaqueline M. Souza

Exercício Nº 3 – A jornada do roteirista ao Segundo Ato


"A história nunca é sobre o destino, e sim sobre a trajetória."

Todo escritor ouve que a página em branco é seu maior desafio. Eu discordo. Acho que a página em branco é altamente estimulante e por isso mesmo um momento descomplicado da escrita. Você escreve as primeiras páginas com fervor e consegue achar nuances que você nem tinha em mente antes. Escreve e descobre seu personagem e o mundo ao seu redor. Tudo é encantador. É quase como se apaixonar. Mas depois desse período de encantamento, vem a realidade. Por isso, costumo perceber tanto em meu processo de escrita quanto ao ler roteiros de outros profissionais, que o maior obstáculo não é o início e sim o meio.

O Segundo Ato exige que você faça escolhas, ele revela sobre o que a história realmente é (o que culminará no clímax), ele te escancara, expõe sua visão de mundo. Apesar de ser fundamental para a história e conter a maior quantidade do seu roteiro (quase metade do seu roteiro em todos os paradigmas clássicos em uma proporção de 25% para a Apresentação, 50% para a Confrontação e 25% para a Resolução), o Segundo Ato é quase sempre ignorado.

Se você não for um roteirista organizado, que trabalha com todas as etapas de escritas, tendo passado pelo argumento e pela escaleta, você pode chegar ao roteiro sem ter a menor idéia do que ira acontecer com a maior parte da sua história. Pense quantas vezes, ao criar uma história, você tem um início bem desenhado na sua cabeça e um final já planejado, mas um Segundo Ato sonso, com uma ou duas cenas rabiscadas. E esse é um grande erro que nós podemos cometer como roteiristas.

O Segundo Ato exige que você e seu personagem façam escolhas.

Primeiro, porque é aí que vem o temido bloqueio criativo. Passada a fase de amores com a premissa e o primeiro ato, quando as dúvidas que você ainda tem sobre a história batem - e já tendo em mente o final para onde ela deve caminhar- você pode ser encontrar preso em meio a uma armadilha criada por você mesmo. E ao se sentir estagnado, principalmente em comparação a escrita mais fluída do primeiro ato, você pode se desestimular.

O segundo erro que damos margem ao não refletir atentamente sobre o Segundo Ato é a mera enrolação. Você escreverá cenas como se cumprisse uma pena de quantas páginas faltam até ser libertado. E aí, você vai colocar quaisquer elementos, cenas e personagens que aparacerem na sua cabeça, mesmo que eles não tenham qualquer importância para a história. É em geral, neste momento que surge aquela "barriga" enorme no roteiro, resultando naquele tempo que o espectador vai dar uma cochilada quando estiver assistindo ao filme. Tudo porque o segundo ato foi esquecido, como algo de menor importância, sendo que é parte principal da estrutura de um filme.

Então para evitar passar por tudo isso ao escrever o seu Segundo Ato, que tal refletir sobre algumas questões e exercitar?

  • O segundo ato é quase sempre sobre obstáculos que se apresentam para que o protagonista consiga seu objetivo. Que obstáculos/complicações se apresentariam para o seu protagonista?

  • Além da sua trama principal, você pode desenvolver um subplot que se entrelace com a trama principal e explore mais o protagonista.

  • Quais são as opções? Que caminhos o personagem pode tomar? O personagem deve fazer escolhas. Pense em Pequena Miss Sunshine, após começar uma viagem para chegar ao concurso de dança da filha, a família enfrenta diversos problemas iniciais como a quebra da van, brigas, o esquecimento da filha e o retorno para buscá-la. Então, a família tem um novo problema: a morte do avô. E a morte dele exige uma escolha: voltar para fazer o enterro e desistir do concurso ou seguir para a competição, mas deixar o corpo do avô no hospital. Eles optam pela mais inesperada: fugir com o corpo para completar a viagem e fazer o enterro depois.

Nas palavras de Kurt Vonnegut: "Seja um sádico. Não importa quão doce e inocente seu protagonista seja, faça coisas horríveis acontecerem com ele- de forma que o leitor possa ver do que ele é feito."

  • Qual a real importância dos personagens secundários a história? Eles são adequadamente explorados?

  • Explore como o protagonista se relaciona com outros personagens. Pode ser um relacionamento amoroso como em Rocky, pode ser o jogo de poder que o personagem tece entre os outros personagens como em A Montanha dos 7 Abutres; pode ser a inadequação social como em A Rede Social. Então, explore os relacionamentos.

  • Dica da Pixar: Liste todas as possibilidades do que poderia acontecer a seguir. Muito material para destravar a escrita pode surgir da lista.

  • Trabalhe bem o MIDPOINT. Ele é uma das sequências mais memoráveis de qualquer história, um ponto de virada bem no meio do seu roteiro. Algo grandioso é revelado, algo sai desastrosamente errado, o herói se descobre, alguém próximo ao protagonista sofre de forma a fazê-lo tomar uma ação. Uma grande mudança na dinâmica da história precisa acontecer.

  • O personagem levou todas as chances em consideração? Fez escolhas acertadas? Lembrou de tudo que era importante? Ele de alguma forma impactou alguém? Na segunda metade do seu segundo ato, você pode escalonar os problemas/conflitos. Pense em Tropa de Elite 2, por exemplo. Ao se tornar Secretário de Segurança Pública, Nascimento consegue reestruturar o BOPE e combater o crime organizado do tráfico, mas as coisas não saem como planejado. O processo de “pacificação” ao invés de conseguir uma diminuição da violência, cria uma nova organização criminosa, as milícias.

Assim como na vida, o personagem nunca tem noção de todo o contexto em que está inserido. Ele faz escolhas, mas sua objetividade é limitada pelo seu conhecimento parcial, o que pode fazer com que suas ações não levem ao um resultado esperado, mas à uma nova complicação.

  • A história nunca é sobre o destino e sim sobre a trajetória. O Segundo Ato é a trajetória, é a jornada. O que pode tornar a trajetória do seu roteiro mais significativa para ajudar na transformação do seu protagonista?

  • Você é extremamente visual? Transforme essa trajetória em um mapa e pense nos pontos de virada como locais pelos quais o seu personagem precisa passar para alcançar o seu destino.

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